IRAUÇUBA: MORRE MESTRE VINO
nosco, sempre será nosso MESTRE DA CULTURA DE IRAUÇUBA.
Estamos de luto, mais levamos conosco o seguinte lema: “Aqueles que amamos nunca morrem, apenas partem antes de nós”.
No Distrito de Juá, a vinte quilômetros do Município de Irauçuba, se encontra um personagem que parece saído de contos de fadas: mestre Silvino, rabequeiro e luthier, absolutamente à vontade na varanda de sua casa, transformada em um improvisado ateliê. O movimento das pessoas não o inibe. Troca palavras, brinca, muitos se sentam no parapeito para dois dedos de prosa.
Descrição: ScannedImage-20 Forte, de bermudas, camiseta, baixo, branco, cabelos brancos e sempre com um boné na cabeça, é um senhor muito simpático. Com 88 anos prestes a completar 89 em setembro, que fala com segurança das rabecas que faz.
É um dos mestres deste ofício que aprendeu por pura determinação, erros e tentativas. Assinou muitos instrumentos que fizeram à festa do sertão: forrós, reisados, dramas, dança de São Gonçalo.
Caixa de texto: Mestre Vino tocando rabeca em sua casa Foto: Zé fotógrafo Março de 2005 Mestre Silvino é daqueles que deveriam ser estimulados a repassar toda a sua arte às novas gerações, num processo que faz parte da dinâmica da cultura, para que a tradição do toque rasgante, acentuado pelo breu, não se cale, mas se difunda pelo mundo afora, com a apropriação que a contemporaneidade vem fazendo dela.
Silvino Veras D’Ávila nasceu a 05 de setembro de 1917, na Fazenda Urubu, Município de Irauçuba, filho de Maria Érika Veras e Pedro Silvino D’Ávila (ambos em memória). Seu Vino é mais conhecido por todos como Mestre Vino, todos o conhecem e o admiram por sua arte linda e imponente de fazer rabecas, um dos maiores mestres de nosso município (Irauçuba) e quem sabe de toda a região Norte do Estado, a fazer as belas e magníficas rabecas, feitas e talhadas por suas mãos, o mesmo toca, cativa, canta e encanta a todos que o vêem e admiram as rabecas por ele feitas.
Segundo ele “Tudo começou quando meu primo João Silvino, que morava nos Caibros, passou a tocar uma rabequinha véia e quando eu vi ele tocar, decidi que ia fazer uma pra mim. Isso foi pela década de 30, quando eu levei a sério e logo fabriquei minha primeira rabeca”.
Hoje Seu Vino avalia que foi aprendendo “uma coisinha” e que não sabe tocar, mas sabe fazer o instrumento.
Seu Vino ficou fazendo e vendendo suas rabecas, ganhou fama, e muita gente vem de longe fazer encomendas.
Ainda hoje aparecem compradores. Seu Vino já fez muitas rabecas, inclusive para fora. Ele já fez 10 para Brasília, 04 para Fortaleza, e 03 para Manaus, fora os que ele já fez pra toda região da zona Norte do Estado. Ele faz uma estimativa de quantas já fez, e diz que foram 40. Não deve ter feito menos de 100. Seu Vino foi o tocador que, durante mais de 30 anos, animou as festas da região.
Tocava, como ele diz, “xote, baião, maracatu, marcha, frevo, bolero, tango, fox, mazurca, mas as valsas eram as mais apreciadas”. E dentre as valsas, uma plangente que choramingava: “O nosso amor traduzia/ felicidade, afeição/ suprema glória que um dia/ tive ao alcance da mão/ mas veio um dia o ciúme/ e a felicidade acabou/ deixando em tudo o perfume/ da saudade que ficou”.
Ele não resiste, apanha a rabeca e começa a tocar, como faz todos os dias, depois do almoço, para espantar o sono ou o cansaço de fazer as redes de pescar, que tece, quando não está fazendo rabecas, para complementar a aposentadoria. Sempre gostou muito de Luiz Gonzaga, e a prova é a Asa Branca que tira das 4 cordas de sua rabeca.
A madeira própria para confeccioná-la é o pinho, ele diz, na falta dele entram as soluções inventivas de mestre Silvino. Para fazer as laterais, usa raiz de juazeiro, que retira da baixa de uma capoeira próxima, e não afeta a árvore, já que as raízes são muitas, e as rabecas nem tanto. Frente e fundo do instrumento são feitos de cumaru, a umburana de cheiro, e o que chama de “pescoço” (e outros de braço), de pau-d’arco. Tem todos os moldes na cabeça, quase não precisa dos papelões grudados, e a fabricação dispensa máquinas e pregos, que enferrujam e ficam velhos. Mas não abre mão do “gabarito”, o molde de madeira para “enformar” as laterais da rabeca, que “dá um trabalho danado”.
Os ferros são: serrote, cipulho, escopo, formão, grosa, a faca, que serve para raspar, e ao arco-de-serra. Ele tem todos. Rejeita a cola plástica, e ele mesmo prepara uma com um pó que compra, e leva ao fogo com água para derreter, ferver e dar o ponto.
As cordas são de aço inox, o mesmo encordamento de violão, das marcas “canarinho” ou “rouxinol”.
A afinação segundo ele, é bem fácil, para isto tem o tom no ouvido e uma gaita. O toque é o mesmo do violino: mi, si, dó, ré.
Durante o dia, a linha estica com o calor, e é preciso afrouxá-la, à noite, ela afrouxa e é preciso apertá-la. Mestre Silvino trabalha como pode, já fez muitos arcos com crina de cavalos. “Era melhor do que nylon”, hoje Seu Vino curvou-se às tecnologias. Fala de uma seda própria que é vendida em uma casa chamada “Torre Eiffel” em Fortaleza (que não existe mais), que ele não pode comprar, de tão cara. Improvisa também com raios de bicicleta, dos quais retira as cabeças, faz braçadeiras, para não sair, e enfia para o ajuste das cordas.
A tinta é um capítulo à parte. O esmalte interfere no som, ele tem consciência disso, e não gosta de suas rabecas na madeira crua. Então, usa tinta de caneta BIC vermelha, com verniz braslac. O resultado torna suas rabecas inconfundíveis. Trabalha em cima de um banco de madeira, onde planeia as tábuas das laterais, que são depois ajustadas no “gabarito”. Como não tem forno, o cabo é raspado com a grosa até ficar pronto.
O cavalete das cordas também é da raiz do juazeiro, e o craveiro de osso de canela de gado. O breu é passado no arco para que não arranhe, e só assim uma rabeca é uma rabeca de verdade. Os preços variam de 50 a 60 reais, essas embaladas em uma caixa e com um “kit” que não pode dispensar o breu.
Seu Vino diz que “Antigamente, antes de me aposentar era um meio de vida e meu sustento. Hoje como eu me aposentei, e a minha vista também já está meia ruim faço mais por divertimento, pra não ficar sem fazer nada. Muitas crianças vê e acham bonito, vem crianças de longe ver meu trabalho e ouvir eu tocar a rabeca. Meus netos vê e acham bonito. Eu sempre fiz em minha casa (na Rua José Fernandes do Rêgo, Nº 299, Juá, Irauçuba – Ceará). Sou considerado Mestre da Cultura pelo FECOP, também já vieram várias pessoas filmar e mim entrevistar. Minha história já passou em televisão, rádio e no jornal, tudo isso me emociona muito, ao saber que as pessoas reconhecem meu trabalho”.
Tocar rabeca é uma arte que ele cultiva muito. Passou a ser o mestre que conhece o instrumento e que fabrica, suas potencialidades, os sons que extrai deste velho violino que permanece vivo entre nós (recuperado pelos jovens) na tradição que passa por seu Neilson, mestre Salú, para ficarmos como os vivos, e por milhares de rabequeiros anônimos, que tocaram e ainda tocam, por este sertão adentro, aplacando a tristeza e trazendo alegria a tanta gente.
Pesquisador: Francisco Pinto Lopes (16 anos)
Entrevista realizada em Maio de 2006
Identificação do Entrevistado
Nome: Silvino Veras D’Ávila
Come é conhecido: Seu Vino
Ocupação: artesão
Onde Nasceu: Juá, distrito distante 20 Km, do município de Irauçuba
Desde quando mora na localidade? Desde que nasceu
Gênero: Homem
Idade: 88 anos
Etnia: Branco
Função que desempenha na manifestação: luthier
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